Rosângela Oliveira, sabe o que é crescer cercada de ausências. A infância, marcada por violência doméstica e privações, foi um cenário onde sobreviver exigia mais do que coragem. Exigia criatividade para encontrar refúgio. Entre espaços que ecoavam tristezas, ela descobriu um lugar improvável para estudar em paz: o cemitério da cidade de Goianésia – município localizado na região central do estado de Goiás -, que ficava em frente à sua casa.
“Lembro que me sentava perto das lápides, abria meus cadernos e lia. Era o único espaço onde ninguém me perturbava”, conta Rosângela.
Foi ali, entre o silêncio das sepulturas e a sombra das árvores, ela construiu o hábito de persistir, mesmo quando as condições eram hostis. A primeira cama só chegou aos 12 anos. Até lá, o chão de casa – ou até mesmo do cemitério – foi o lugar onde descansava depois de jornadas duplas. Estudava à noite e trabalhava durante o dia desde os nove anos.
Aos 14, tomou uma decisão que mudaria tudo. Deixou a casa dos pais e levou consigo dois irmãos mais novos, determinados a protegê-los da violência que também sofria. “Eu sabia que, se não fosse eu, ninguém ia cuidar deles. Então assumi essa responsabilidade e fui à luta”, relata.

Sem rede de apoio e com poucos recursos, teve que amadurecer antes do tempo. Foi nesse momento que um conselho mudou seu destino. Uma madrinha, atenta à sua luta, sugeriu que buscasse uma profissão capaz de trazer retorno financeiro e estabilidade. Rosângela não esqueceu do conselho e viu na contabilidade a chance de reescrever sua história e oferecer segurança à família.
Aos 19 anos, tornou-se mãe solo. A maternidade virou combustível para suas escolhas. “Sempre fui chefe de família, e isso significava não só colocar comida na mesa, mas também garantir respeito como profissional e como pessoa, mesmo enfrentando discriminação de gênero em muitos ambientes”, relembra.
Determinada, se formou em contabilidade e construiu uma carreira sólida e, há 25 anos, está à frente da 7R Contabilidade, empreendimento que se tornou referência na área. Sua atuação vai além do trabalho técnico. Ela apoia empreendedores locais em Santa Maria, região administrativa do DF, patrocina iniciativas comunitárias e acredita que o sucesso só faz sentido quando é compartilhado. Foi aluna do Sebrae no DF e, hoje, devolve à comunidade parte do que aprendeu, ajudando outros a estruturar seus negócios.
Rosângela também dedica tempo e recursos ao esporte e a projetos sociais. Participou por quatro anos do Conselho da Cidade e apoia ações da Secretaria de Estado de Saúde local. No futebol, investe em equipes e atividades que movimentam a economia local e fortalecem vínculos na comunidade.
Entre todos os desafios que superou, o maior foi transformar a dor em força. “O respeito que conquistei não veio fácil, mas veio da minha postura de nunca me vitimizar e de sempre buscar soluções. Isso eu aprendi lá atrás, quando precisei ser adulta antes do tempo”, garante.
Atualmente, aos 52 anos, Rosângela olha para a própria trajetória e vê muito mais do que uma carreira bem-sucedida. Ela enxerga um legado construído a partir da coragem, da resiliência e da determinação de mudar não só a própria vida, mas também a de quem cruza seu caminho. “Eu sei de onde vim, e é isso que me mantém com os pés no chão e a cabeça erguida”, completa.

