“Eu não tive infância.” A frase de Graziella Andrade, 27 anos, dita com serenidade, resume de forma direta a dureza da sua trajetória. Nascida em uma família de 15 irmãos, em Canto do Buriti, um pequeno município no interior do Piauí, aos oito anos precisou sair de casa e, para não ficar nas ruas, começou a trabalhar como babá para famílias na região. Entre os 11 e os 15, cuidava de uma família que também organizava festas, e foi ali que aprendeu a fazer doces. A princípio, não passava de uma obrigação a mais, mas logo o açúcar foi adoçando seu caminho — mesmo que ela não soubesse ainda que isso viraria sua vida.
Aos 15 anos, Grazi se casou. Aos 16, já era gerente de uma ótica. A vida adulta chegou cedo demais, sem espaço para sonhos ou planejamentos. Ela não teve filhos — o que hoje considera uma bênção —, mas precisou enfrentar um relacionamento abusivo. “Eu trabalhava para dar meu dinheiro para ele. Chegou uma hora em que eu disse: ‘Essa não é a vida que eu quero para mim e preciso sair disso antes que seja tarde’’. E foi assim que decidiu recomeçar, do jeito que sabia: trabalhando.
Saiu da sua cidade para tentar a sorte em Floriano, outro município piauiense, distante cerca de 160km de Canto do Buriti. Lá, morou na casa de uma mulher que lhe prometeu trabalho em uma ótica e apoio para estudar. Mas, ao chegar, a realidade foi outra: voltou a ser doméstica e ainda cuidava do filho da patroa. Os estudos, novamente, ficaram em segundo plano. Mas não os sonhos.

Juntou o dinheiro que pôde e alugou um espaço para morar. Começou a vender bolos no pote pelas ruas da cidade. Fazia os doces de manhã, vendia das 14h às 18h, e à noite ia para a faculdade particular de direito — que conseguiu pagar por um ano e meio até que as dívidas apertaram e ela teve que parar. “Chegou um momento que eu não conseguia mais pagar faculdade e aluguel. Minha irmã, que já morava em Brasília, me chamou para vir fazer um curso de confeitaria aqui. Juntei o dinheiro com vendas de rifas e mais doces e, com ajuda dela, eu vim”, recorda.
Chegar em Brasília foi o ponto de virada. O curso durava apenas dois dias, mas foi o suficiente para que Grazi decidisse mudar completamente de vida. Voltou ao Piauí, vendeu o que tinha e, aos 20 anos, desembarcou de vez na capital federal.
A proposta inicial era abrir uma cafeteria em sociedade com as irmãs. Durante seis meses, ficou sem trabalhar até o ponto comercial ser inaugurado no Sudoeste. Quando a cafeteria abriu, Grazi viu uma oportunidade de dar início ao seu próprio negócio. Enquanto atendia os clientes, aproveitava para divulgar seus doces. Criou sorteios, fazia kits de festa e oferecia amostras. “Eu via uma oportunidade em cada cliente. Era meu jeito de começar, já que meu objetivo era abrir meu próprio negócio”. Durante quatro anos, Grazi se dedicou também aos estudos e cursou gastronomia no Centro Universitário UDF.
Dormia pouco — os doces eram feitos de madrugada —, mas não reclamava. Com o tempo, passou a produzir cada vez mais, até que começou a atender pelo iFood. Foram quatro anos vendendo de casa, direto pelo aplicativo, até sentir que estava pronta para dar o próximo passo: abrir o próprio espaço.

Há quatro meses, o Ateliê de Doces da Grazi Andrade funciona no Guará e, segundo ela, é a maior estrutura de confeitaria da região. O espaço tem três andares (um deles já em uso, os outros em fase de preparação), equipamentos industriais e uma produção que gira em torno dos famosos brownies — os campeões de venda da confeitaria — e bolos de aniversário. São quatro sabores de brownie: red velvet, brigadeiro belga, leite ninho e doce de leite. “Eu vendo o melhor brownie do mundo! Mas o espaço é escondido, então eu tenho que ir atrás do público para que consiga apresentar meu trabalho’’.
Ir atrás do público não é figura de linguagem. Recentemente, Grazi preparou 800 brownies e distribuiu gratuitamente na saída de um evento em uma igreja da região, junto com folhetos da loja. Já pagou blogueiras para divulgar seu trabalho, bate de porta em porta no comércio local e, mesmo com todas as dificuldades, não desiste de fazer tudo com excelência. “Eu me preparei por três anos, comprando aos poucos as coisas da loja. Não queria abrir de qualquer jeito. Esse aqui é meu sonho sendo construído”.
Além do ateliê, Grazi também é professora de confeitaria. Em 2023, foi selecionada para representar o Distrito Federal como Chef Chocolatier da Harald Chocolates — uma das maiores marcas de chocolate do Brasil. Hoje, ela ministra cursos em diversas lojas especializadas e compartilha seu conhecimento com quem está começando. “Se eu soubesse que ia passar nessa seleção, não teria aberto a loja agora. Mas Deus sabe o que faz e, se eu fiz os dois, é porque eu dou conta”, assegura.
A rotina é puxada: dá aulas durante o dia e abre a loja no período da tarde e da noite, muitas vezes ficando até meia-noite. Não tem equipe fixa, mas conta com o apoio do namorado e de uma amiga nos momentos em que precisa se ausentar para as aulas. O plano é expandir o negócio, montar uma equipe que abrace o propósito da loja e, futuramente, levar seus cursos para fora do Brasil — em troca apenas de hospedagem e passagem. “Não quero morar fora. Mas quero fazer algo grande. Ensinar o que sei fora do Brasil”, celebra.

Após participar do Movimente nas Cidades – Edição Guará, Graziella se sentiu motivada a buscar apoio do Sebrae no Distrito Federal para dar um novo salto em sua trajetória. Até aqui, sua jornada foi guiada pela intuição, por anotações feitas em um caderno e por uma força de vontade quase inesgotável. Agora, ela quer estruturar a gestão do ateliê e expandir o impacto que sua confeitaria já tem na comunidade. “Fiquei muito feliz ao conhecer melhor o trabalho do Sebrae e perceber que posso contar com essa rede para alavancar meu negócio. Até hoje, meu plano de negócios só existiu na minha cabeça. Agora, quero fazer tudo direitinho, planejar com mais estratégia e transformar ainda mais vidas através da confeitaria. Estou pronta para começar”, conclui.
Serviço – Ateliê da Grazi Andrade
Contato: (61) 98242-1281
Redes Sociais: @ateliededocesgraziandrade, no Instagram
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